O discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) escapa à realidade e distorce as evidências, mas não surpreende os economistas ouvidos pelo g1 nesta terça-feira (21).
Alguns trechos chamaram atenção pela omissão de dados que contestariam o texto do discurso. Outros, por simples erros conceituais que compõem a análise econômica.
“O texto é um Frankenstein com dedos do Ministério das Relações Exteriores. O presidente deve causar calafrios no Itamaraty que sabe que o discurso na geopolítica é importante como as ações. No geral, é o Bolsonaro que já conhecemos”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Os tópicos que mais chamaram a atenção dos analistas são os seguintes:
- Bolsonaro diz ter assumido o país à “beira do socialismo”;
- Atribui a inflação às políticas de restrição à circulação e lockdowns;
- Retoma o discurso que ações de prefeitos e governadores são responsáveis pela inflação brasileira;
- Diz que lockdowns deixaram “legado de inflação” em gêneros alimentícios;
- Afirma que houve retomada da “credibilidade externa”;
- Menciona a criação de vagas formais de trabalho sem dizer que o emprego informal segue em baixa;
- Diz que o Brasil teve um dos melhores desempenhos econômicos entre os emergentes.
Os especialistas
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega diz ser “loucura” uma menção como essa no contexto econômico do país, sobretudo porque Bolsonaro recebeu o mandato de presidente da República de Michel Temer, que deu início às reformas pró-mercado que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta avançar.
A paralisia das reformas, inclusive, é relacionada pelos especialistas com as crises institucionais fomentadas pelo presidente Bolsonaro. Episódios de ataque ao Congresso e ao Supremo, como aconteceram no último dia 7 de setembro, desgastam as alianças políticas do governo e travam o andamento das propostas no Congresso.
É assim que se acende o alerta nos investidores de um aumento da percepção de risco fiscal. Sem as mudanças conjunturais, o governo precisa insistir em medidas que ameaçam o teto de gastos ou aumentam a desconfiança, como o parcelamento de precatórios.
Para Maílson da Nóbrega, que também é sócio da consultoria Tendências, esses testes à política fiscal afetam a credibilidade dos títulos públicos. Se há uma ameaça de não pagamento de precatórios, afirma ele, questiona-se se o governo pode não pagar sua dívida, o que contribui para subida da curva de juros e aumentar o custo do Tesouro.
Sobre inflação, o ex-ministro diz que criar uma relação entre medidas de isolamento social para combater a pandemia do coronavírus e a elevação da inflação não tem nenhum sentido do ponto de vista econômico.
“É de matar de rir. Lockdowns provocam contração forte da atividade econômica. O efeito é queda na demanda, isso é anti-inflacionário”, diz Maílson da Nóbrega.
“Se tem alguém que tem culpa é ele, que faz ataques às instituições e cria um ambiente de instabilidade que fizeram o dólar subir”, segue o ex-ministro.
G1 – Foto: Eduardo Munoz/Reuters